Pés dormentes

As primeiras notas do dia das outras vezes recebidas com o menor apresso ontem foram desligadas com o maior sorriso. 9:00 está a chover lá fora, dizem que dá sorte. 9:15 enquanto tomava banho o frio no estomago e o tremor dos labios começou a tomar conta de mim. Ao meio dia na praça para o almoço de preparação com as 34. 10 minutos a espera pela primeira vez e a nene aparece-me ao fundo. Vinha cansada por causa do show que dera na vespera mas radiante tal como todas nós. Recebi a noticia que tinhamos um convidado especial para almoço e quando a mariana chegou e fomos entramos no carro das 7 garrafas de água começei a sentir os pés dormentes. Como é óbvio ao almoço e á hora do café sobre uma das melhores vistas da cidade de Lisboa não se falou noutra coisa. 14:30 no taborda ali tudo começou a ficar mais real. Meia dúzia de cenas revistas e muita conversa de boa merda para o que se ia passar a seguir. Deviam ser 17 quando os meus pés dormentes passaram para sensação habitual e a concentração começou a ser precisa. Os piores minutos foram os trinta antes da peça. As dúvidas começam a surgir e apesar da cabeça e do corpo estarem num estado de concentração quase impossivel para uma rapariga como eu os meus pés não deixaram de estar dormentes. 18:00 muita merda, é agora. Vejo o primeiro rosto conhecido na plateia e um grande, grande sorriso. Cena I. A posição em que ficamos lá em cima onde os sonhos acontecem deixa os meus pés dormentes mas a voz está segura e já começou. Lá de cima passaram 10 minutos no entanto já vamos numa hora e os meus pés estão dormentes. Peço o maior aplauso para o nosso encenador e para o Pedro e com um grande sorriso despeço-me. Acabou. Mesmo assim, debaixo do palco, onde se passa a maior acção os meus pés continuam dormentes mas a voz começa a fraquejar. 22:00 esplanadas do rossio muito riso e muita conversa, vozes esperançosas, para o ano há mais pessoal , hoje correu muita bem. 1:00 meia dúzia de recados dados e o chegar a casa ainda com os pés dormentes. 4:00 queda para a realidade, o cansanço ganha e aí percebo que os meus pés estão a deixar de ficar dormentes.
Depois de ontem, da estreia de ontem, hoje os meus pés não estão dormentes, mal consigo falar e todas as reacções chorosas que critiquei assim que saimos de palco que me pareceram sem medida de ser estão a revelar-se hoje em mim. E agora, por muito estranho que te pareça hoje o meu único desejo é que os meus pés voltem a ficar dormentes bem depressa.

Debaixo da almofada

Não deixes a meio. Leva até ao fim se tiveres cara para isso. Por aqui o pior de tudo é que já não há hipocrisia que me aguente, em que me aguente. Apesar da falta de inspiração há dedicação que chegue e que sobre. Queria dizer. Não dizer por dizer mas dizer para que quem , como tu, percebesse o que digo. Bate-me forte, não por estar farta porque até se aguenta mas por ter de se aguentar. Não critico os clones, nem as modas e as ondas, aprendi a aperceber-me de que faz parte. Critico-me, não pessoas como eu mas a mim por não ter essa cara. Gostava que toda a gente se deixasse estar, que toda a gente aprendesse a estar e a gostar das coisas mais simples, como disfrutar do gosto de fumar um cigarro ou de dar as mãos, que toda a gente apreciasse o diferente, o original, o verdadeiro não o que segue ondas ou se aloja em modas, que ninguém julgasse. Gostava que todos estivessem; na deles, na minha, na fosse de quem fosse mas que gostassem de estar e não de ser, aprendo cada vez mais que não há tempo para isso. Gostava de saber escrever, de saber falar. Gostava de não deixar a meio e ter cara para criticar e julgar mas no fundo é isso que critico e na verdade não quero entrar em paradoxos ou meias verdades, acho que por agora me vou deixar estar.

Português suave

Estou sentade de pernas cruzadas lá fora na mesa onde costumámos tomar café. Está a ficar escuro. Todos os dias te trago ao colo é uma verdade que todos partilhamos e na qual cremos apesar de fisicamente já não parares por estes lados ainda aqui permaneces. Acendes mais um cigarro e eu não tiro os olhos de ti. Sei descrever cada passo da tua alma, cada sopro das tuas mãos, cada voz do teu rosto e a medida do tempo parece não existir, pelo menos lá fora na mesa de café. Tudo o que julgava ter de te dizer, tudo o julgava querer dizer-te sairam daqui. Tudo o que julgava saber falar, todo o dizer do meu palavrear subiram ao irreal e deixaram-se ficar enquanto lá fora, na mesa de café acendes mais um cigarro e eu não tiro os olhos de ti. Não é dita nenhuma palavra, não é acentuada a forma de pronunciar e de facto lá fora na mesa de café o meu português não anda nada suave enquanto por outro lado tu disfrutas de mais um cigarro e é ai que eu penso que já está na hora de eu acender o meu.

W


(acho que hoje)

É melhor deixar cá dentro.

8 de Junho

Provavelmente estavas a espera de melhor e se calhar nem tens paciência para mais clichés manhosos mas este é feito cá do fundo. Também é provável que no que costumam equacionar como melhor amizade seja indispensável o factor tempo e tenho pena por contrariar as estatísticas mas considero-te uma melhor amiga independentemente á quanto tempo vivemos uma com a outra ou uma para a outra como quiseres. Hoje fazes dezasseis anos, dezasseis anos de ti a dar-lhe com a alma com as tuas bochechas fofinhas e os teus olhos enormes. Todos os dias com mais um plano janado e sorriso de orelha a orelha “a tentar fazer a diferença pelo melhor, a dar tudo por tudo com muito sangue e suor”. De facto és a maior. Mas tenho medo. De que amanhã seja diferente, não o diferente á tua moda, mas diferente por ter de te perder para os maiores como tu. No entanto vou estar sempre aqui de braços abertos gordinha e cheia de abraçinhos e rosinhas para quando quiseres aparecer ou para dares um beijinho ou para tomares café nos dias 21 de Maio ás sete da tarde. Hoje dia oito de Junho fazes dezasseis anos e fazem oito meses de “Não ‘tás bem a perceber” na minha vida. Ainda somos um bebé com a língua de fora e olhar curioso. Mas no fundo “deixamo-los perplexos, com oito meses de vida fazemos estragos completos”. E não quero que saibas que serás sempre a minha pequenina e que terás sempre o meu ombro e o meu maior sorriso para te receber, nem que daqui para a frente vamos conseguir ultrapassar todos os obstáculos ou que já és uma parte meio esgalhada de mim isso tudo já sabes de cor vamos deixa-lo para os que ainda andam por aí a descobrir, de mim ou daqui ou de nós podes contar com a maior casa que te vai proteger do mundo, dos outros ou de nós próprias e estar sempre aberta para quando quiseres entrar. Hoje fazes dezasseis anos e não tenho dúvidas de que és a maior, parra. Obrigada de facto cá do fundo.