Movia-se desajeitademente por entre a população local, trazia um sobretudo preto, cor de alface curto que lhe chegava aos pés e sorria estupida e irritantemente. O cabelo castanho dava-lhe um certo ar angelical, traiçoeiro... imperial, para ser certa. Deviam ser seis da manhã, de certeza que das sete não passava. Eu que não sei nada sobre nada, vinha de uma noite animada, atropelada por uma imensidão acontecimentes monotonos, desinteressantes mas surpreendentes, com muitos copos e cigarros pelo meio quando para feliz coincidencia encontrei o senhor do casaco verde alface, que era mais preto mas pronto.
-Boa noite menina - disse; o sorriso imperial e sujo não lhe saiu da cara, já velha de ideias e filosofias maradas, ou melhor indelicadas.
- Boa dia senhor do chapéu sem pala, como está? - O meu pai sempre me pediu que não falasse a estranhos mas eu conhecia-o, prometo que sim.
Ignorou a minha pergunta e sentou-se no chão, ali mesmo no meio do chão, sobre a calçada e olhou para o céu. Eu sei que ele não gostava das perguntas que lhe fazia quando sabia que eu sabia a resposta, era gastar o meu português e ele não gostava que eu falasse quando na verdade não tinha nada a dizer, o que ele gostava mesmo de fazer era olhar para o céu, só para o céu. Para o senhor do chapéu sem abas o céu não era assim tão alto, era já ali, se esticasse o braço e depois a mão e depois o dedo tocava-lhe. O senhor dos ténis rotos tocava no céu, ele tocava no céu. Nessa noite, manhã ou madrugada como lhe quiserem chamar, porque como o senhor que toca com o dedo no céu diz o tempo somos nós que o fazemos, eu resolvi deitar-me com ele, ali no meu chão da praça. Devia ser novembro, ou secalhar março, já não me lembro bem mas estava frio, o chão estava frio e estava húmido e as pessoas estavam geladas, impenatraveis, com pressa para ir sabe-se lá a onde fazer sabe-se lá o que e iam tão rápido que só se decorava a cor dos casacos ou dos cascacois, o resto era passageiro. O que estava por dentro era passageiro. Quando me deitei tudo o resto saiu dali, era só eu, o céu e o senhor do chapéu de aguardente. Não havia cores, nem cheiros, nem pessoas atarefadas, só nós os três.
Não faço ideia de quanto tempo passou, nem quanta gente passou, mas como diz o senhor que me levou ao céu o tempo, esse ,bem , somos nós que o fazemos.
Quando me levantei, o senhor das barbas pretas já não estava lá, o chão estava mole e tinha deixado de ser frio e estava escuro muito escuro. Acho que olhei para a janela e vi o nascer do sol deviam ser seis da manhã, de certeza que das sete não passava.
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